MAD e o que uma revista de humor tem a ensinar sobre marketing

Chegamos ao meio do ano, e você já deve ter recebido uns cinco ou seis e-mails de newsletters que você assinou um dia na vida (pra baixar um conteúdo gratuito – quem nunca, né?) sugerindo não apenas que você faça uma retrospectiva do primeiro semestre, como também que você se planeje para atingir as metas do ano nesta segunda metade.

Eu sei que a gente tem que ver com ceticismo tudo o que a gente lê na internet, mas tá certo o coach e o empreendedor digital desta vez.

Mas hoje eu queria falar de outra coisa.

Eu queria falar de uma revista de humor que anunciou seu fim.

Vai lá, faz um chá, senta que o texto é grande – mas eu juro que vale a pena.

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Talvez você não tenha lido a revista MAD, mas provavelmente já viu muitas capas:

Bem, eu devia ter uns 11 ou 12 anos quando era MUITO fã da MAD. Eu colecionava a MAD brasileira. Mais ou menos nesta idade, eu tinha um primo que trazia muamba do Paraguai. Uns lápis fofos, umas borrachinhas coloridas. Eu revendia prazamiga na escola e ganhava uns trocados. Também vendia por alguns centavos uns desenhos lindos que eu fazia e coloria. Quando fui aos Estados Unidos com meu avô aos 13 anos, fiz questão de trazer um exemplar da MAD gringa porque, né? A MAD. Veja bem: eu vender desenhos e muamba do Paraguai não caracterizou trabalho infantil em nenhum momento, porque tive uma infância privilegiada e porque aquilo nunca pagou as contas de casa. Sim. Não adianta falar de marketing e empreendedorismo sem falar de privilégios, mas isso já é outro papo.

Voltando à MAD. O humor da MAD era meio chulo, mas tinha um ou outro quadrinho bem interessante. O humor da MAD sempre fez troça de políticos de situação, sempre teve sátiras de produtos e eventos da cultura pop mainstream. A versão brasileira deixou de ser publicada desde 2017. Já a versão norte-americana, com uma trajetória que já dura quase 70 anos, acaba de ter seu fim próximo decretado. Escrevi um pouco sobre isso no Célula POP. Vai lá ler.

Enfim, eu nem lia mais a revista, mas seu fim leva a uma reflexão sobre novas formas de consumo de mídia. Muita gente culpando “a caretice das novas gerações”, mas as mudanças nas tecnologias de consumo de mídia têm papel MUITO MAIS RELEVANTE neste fim de ciclo.

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Faz uns 2, 3 anos, soube de um jornal brasileiro bem conhecido fechando as portas. O editorial deixava bem claro que a culpa era “da crise econômica”. Um jornal bom, de qualidade, porém com um site ruim e um projeto de “digitalização” que era um plugin de leitura de pdf não otimizado para celulares.

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Não dá pra menosprezar uma crise econômica. Mas dificilmente uma crise econômica acontece da noite para o dia. Assim como esta crise no consumo de mídias, que se estende há pelo menos uns 20 anos, desde quando as tecnologias digitais tornaram possível o compartilhmento de arquivos diretamente entre usuários. O Napster fez a indústria fonográfica rever o formato CD, o torrent fez a indústria audiovisual rever seus modelos de licenciamento e explorar mais o vídeo por demanda como plataforma de lançamento, a digitalização de livros ainda obriga o mercado editorial a se reinventar com as plataformas de leitura digital.

O público da MAD é jovem, nos Estados Unidos. 

O público da MAD não desgruda os olhos do celular. 

O público da MAD está no no Tik Tok, no Instagram e no Snapchat. O público da MAD curte youtubers jovens e joga jogos online. O público da MAD está mais voltado a livros do que a quadrinhos. O público da MAD curte mais Netflix, que é por demanda, do que assistir ao Warner Channel (a MAD é propriedade da DC Comics, que por sua vez é propriedade da Warner). O público da MAD gosta mais de interagir com o conteúdo do que de consumir passivamente.

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A MAD, por trás da aparente falta de seriedade, tinha uma mensagem bem clara, emprestada do escritor Timothy Leary: “pense por você mesmo e questione autoridades”. As sátiras, as tiras, as dobradinhas, tudo na revista era feito no sentido de fazer aquele jovem questionar o que é consumido na mídia, na indústria, na política.

Podemos tirar duas coisas muito interessantes daí:

1) Independente de qual é o seu nicho de mercado, você precisa ter muito claro:

  • Quem é seu público-alvo.
  • Onde este público-alvo está.
  • Que mídias consome.
  • Como consome.
  • Que linguagens essas pessoas assimilam melhor.

E traçar uma estratégia para atingir essas pessoas.

Levar conteúdos úteis e relevantes, empacotados de forma que essas pessoas queiram acessar, nos canais que ela frequenta. Isso é marketing!

“E o que eu ganho com isso? Não é perda de tempo escrever um monte, gravar vídeos, dar conteúdo gratuito?”

Eu já disse aqui que não. 1: generosidade vende. 2: conteúdo produzido é sempre um ativo trabalhando a seu favor.

É óbvio que essa produção não precisa tomar um super tempo da sua atividade remunerada, especialmente se essa produção de conteúdo for difícil pra você, de alguma forma.

Não precisa de textão.

Uma imagenzinha feita no Canva e um texto curto de dois parágrafos.

Um link interessante.

Agende o envio.

Simplifique.

Mas leve sua mensagem até seu público. Mande por e-mail. Por Whatsapp. Publique no site, no Instagram, no Facebook ou no Twitter. Quebre um conteúdo grande em 5 pedaços. Faça um vídeo.

Mas faça.

Quando você não leva sua mensagem ao seu público – e, ao invés disso, simplesmente espera que ele chegue -, ele talvez nunca saiba o que você tem a dizer.

A outra lição é a seguinte:

2) Não invista recursos no que não traz retorno

Longe de mim dizer que você só tem que fazer na vida o que dá dinheiro. Logo eu, a rainha dos hobbies não-remunerados!

Retorno pode ser em prazer, em felicidade, em equilíbrio mental, tá? O conceito de retorno é MUITO AMPLO.

Isto posto, a Warner não quer investir na MAD, que é uma propriedade da DC (Detective Comics). E a DC está reformulando até a Vertigo, que é um dos seus melhores selos. A DC deu à Warner os melhores personagens e levou um banho da Marvel/Disney na hora de construir um *universo* com seus personagens. Imagina se a Warner vai investir na MAD, com toda a honra que uma revista com tanta história merece? Era pra ter app com os quadrinhos, era pra continuar a MAD TV no YouTube, era pra ter canal da MAD no Snapchat, era pra ter youtuber adolescente histérico comentando as tiras da MAD, era pra ter dobradinha sei lá como, mas se eles quisessem, teriam feito.

Não queriam.

Preferem investir no que dá retorno em vez de investir recursos para tornar rentável uma propriedade de nicho que foi negligenciada ao longo dos últimos anos.

É triste pra gente, que é saudosista.

Mas não vou me preocupar.

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E mesmo com tudo isso que eu te disse, lembre-se da mensagem que a Revista MAD pegou emprestada de Timothy Leary e adotou como lema: “pense por você mesmo e questione autoridades”

Pode me questionar. Adoro.

Um grande beijo e até a próxima!