A essa altura você já acompanhou a história do CEO que reduziu seu salário milionário para poder aumentar os salários de TODOS os colaboradores da empresa, dando o MÍNIMO de US$ 70 mil por ano, o que convertido em reais dá cerca de R$ 210 mil, que dividido por 12 meses dá mais ou menos R$ 17,5 MIL.
Se você ganha R$ 17,5 mil, você TÁ BEM. Você vive MUITO de boa. Você pode financiar um imóvel, você pode viajar, você pode guardar para a aposentadoria, você pode reformar a casa, você pode sustentar o cônjuge e os filhos, permitindo que alguém fique em casa com as crianças, você é RICO. Rico de verdade. Ao mesmo tempo, você não é TÃO rico a ponto de levar uma vida de milionário, de ter os estresses que milionários têm, as preocupações de gente excessivamente rica.
É um valor muito próximo do salário ideal para ser feliz, segundo um estudo já manjado da Universidade de Princeton. Eu até seria muito feliz com metade disso. Mas com esse salário, você só precisa se preocupar com grana se for muito descoordenado da realidade.
Um colaborador que recebe algum tipo de reconhecimento trabalha motivado. Esse salário poderia ser motivação suficiente. Mas Dan Price, CEO e dono da Gravity Payments, fez muito mais pela empresa: reduziu o SEU próprio salário de CEO para poder nivelar o de todo mundo por cima.
Acho, apenas ACHO, que isso que ele fez pode ser muito revolucionário, em dois sentidos:
- Os colaboradores NÃO vão trabalhar todos os dias com a sensação de que estão trabalhando pra enriquecer alguém (poucas coisas são mais desmotivadoras do que o gap salarial de um analista, que rala pra caramba, e de um diretor, que também rala pra caramba, mas que vai tirar férias na Europa, manda os filhos pras melhores escolas. Aliás, nem precisa ser com o diretor: o gerente, em geral, ganha MUITO mais que seus subordinados)
- Sim, existe uma hierarquia baseada em níveis de responsabilidade. Um gerente ganha melhor porque é responsável por uma área inteira, e seu diretor ganha ainda mais porque é responsável por várias gerências, e por aí vai. O que ele fez foi botar todo mundo no mesmo barco. Você é tão responsável pelo sucesso da sua área (e pela manutenção do seu emprego) quanto seu gerente. Há uma grande possibilidade aí de todo mundo trabalhar com o mesmo empenho e dividir melhor as responsabilidades, já que os salários são equiparados. Enquanto dono, ele possivelmente vai lucrar mais com esse passo. Vai ser bom pra todo mundo, então.
Não sou eu que estou dizendo. Quer dizer, acredito nisso por uma série de fatores, mas é a própria OECD que diz que a desigualdade salarial (aquele gap entre quem ganha mais e quem ganha menos) é uma barreira para o crescimento econômico.
Dan Price fundou a empresa aos 19 anos, para ajudar empresas independentes a receberem pagamentos. Em 2010, aos 26 anos, foi homenageado por Barack Obama por seu espírito empreendedor e sucesso da empresa. Em 2014, Price foi eleito empresário do ano para a revista Entrepreneur, e já tinha um estilo de gestão bastante polêmico – por ser legal com seus funcionários, adotando uma política de “pode tirar o tempo que você precisar pra resolver sua vida sem ter seu salário cortado”. O que ele alega é que o colaborador trabalha muito melhor sabendo que seu emprego não está em risco se você precisar ir ao médico ou cuidar da sua mãe doente. Existem umas correntes de gestão, e eu só não posto aqui porque é um artigo que li há muito tempo e não achei agora pra linkar, que prega que empregador não é babá, e não tem que ficar controlando horário de funcionário.
É difícil. Porque sempre vai ter aquele cara que abusa. Mas, aparentemente, no geral, o benefício é auto-regulável entre os próprios funcionários, que vão se controlar pra não tirar mais tempo que o colega, e que vão entender que cada caso é um caso. Pra evitar abusos, o funcionário pode ter que se reportar a um superior, ou talvez você precise implementar uma gestão por metas e métricas bem definidas (mas, por favor, não impossíveis de serem cumpridas durante o horário de trabalho, senão não adianta nada dar um tempo pro caboclo!).
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Bom, enfim, Dan Price tem um estilo de gestão que, aparentemente, é adequado para nossa época. Dan Price não tem medo de ousar. O rapaz faz questão de dizer em toda entrevista que o principal valor da empresa é a preocupação com o cliente. Vale ficar de olho na evolução da Gravity Payments nos próximos meses. Sim, há toda a publicidade que a Gravity Payments está recebendo com a novidade, e isso influencia no faturamento. E também há o fato de que empresários estão torcendo secretamente para que essa ideia naufrague, senão vai virar moda. Considerando que a desigualdade social no mundo é um problema grave, suponho que diminuir a desigualdade de renda no próprio ambiente de trabalho seja um primeiro passo para a des-concentração da renda. Requer uma mudança de mentalidade que quem está torcendo contra não quer ter – ninguém quer mexer na sua fatia do bolo e dividir com quem faz seu negócio acontecer.
Vamos acompanhar. Eu aposto que vai ser bom. Que o faturamento da empresa não será indecente, mas que há de prosperar nos próximos dois anos, se as coisas correrem normalmente, sem algum fator fora da curva que ameace o negócio, claro.
Ficarei de olho.