Esbarrei com esse artigo bacana, “O que Berlim me ensinou sobre trabalho”, escrito pela Debbie Corrano, que junto com o Felipe Pacheco tem um site ótimo, o Pequenos Monstros. Não conheço nenhum dos dois, mas gostei do que li. 🙂
O artigo fala de trabalho. Dessa cultura de valorização do tempo no escritório – se você entra às 8h e sai às 17h, nego te olha torto, porque vai ter gente saindo às 19h (ainda que essas mesmas pessoas tenham entrado às 11h). Vai ter gente que vai trabalhar mais que você, que vai ser recrutado pra trabalhar fim de semana, que não chega cedo mesmo porque sabe que não vai sair antes das 20h do escritório, e gente que poderia te ajudar a terminar seu trabalho a tempo de não precisar fazer hora extra, mas fica no Facebook a tarde inteira. Vai ter gente solícita, gente que se fode junto com a equipe, e gente que procrastina até o último minuto, vai embora e deixa o trabalho pela metade.
E eu concordo com a Debbie que chegar cedo e sair tarde é uma perda de tempo. Daquele tempo precioso que poderia estar sendo investido em você mesmo, na sua saúde. E concordo que, como os alemães, poderíamos arrumar empregos que exigem menos, não para ficarmos ricos, mas apenas para termos tempo (e, eventualmente, podermos até transformar nosso tempo livre em dinheiro).
Mas todo esse tempo no mercado de trabalho no Brasil mesmo – sem precisar ir tão longe – me ensinou algumas coisas:
– Aprendi que empregos que dão mais tempo livre não pagam o suficiente para pagar o aluguel. Não tou dizendo “ah, não quero ficar rica, posso trabalhar em algo básico”. Tou dizendo que são raríssimas as vagas de emprego de 8h por dia que pagam mais de R$ 2.500, o que, convenhamos, numa cidade grande não dá pra nada. Especialmente se você mora de aluguel ou já saiu da casa da mãe. Nas capitais você tem a opção de passar mais algumas horas do seu dia fazendo uma pós, melhorando seu currículo, aumentando seu salário e ainda assim você não vai ficar rico. Já em cidades menores é isso aí, as empresas querem pós, inglês fluente, experiência em tudo (ou quase) e oferecem salário de recém-formado. “Olha, eu SEI que posso entregar resultados fabulosos pra sua empresa, já que faço isso há mais de dez anos e já trabalhei em empresas de vários portes”. “Infelizmente, o salário é esse”. Nas entrelinhas, o que o cara diz é “não vou investir em pessoal qualificado, não. Só preciso de um garoto pra fazer as mídias sociais, porque a estratégia de comunicação está sendo elaborada pelo meu sócio, que é graduando em engenharia”. Ou seja: difícil arrumar esse emprego “médio”.
– Veja bem, estou falando de emprego. Você pode ser um empreendedor genial, automatizar sua renda, fazer trabalho remoto de qualquer parte do mundo. Mas o emprego, emprego mesmo – aquele onde você cria capital para outra pessoa – costuma ser esse fiasco.
– Também aprendi – graças a Tutatis, não na prática – que nem sempre os empregos que deixam mais tempo livre vão exigir menos de você. Bancários, por exemplo, trabalham 6h. Mas a pressão é terrível. Operadores de telemarketing também – e, ainda por cima, terceirizados, sem benefícios, com uns salários de merda. Veja bem, não quero ficar rica (mentira, quero sim). Mas exploração tem limites – pra mim. Pra empregadores de certos nichos, não.
– Descobri que o trabalho é, sim, baseado em getting things done. Pelo menos o meu é, e o de muita gente boa que conheço, que já saiu muito de casa às 6h pra pós e só chegou às 21h depois do trabalho, que já pediu muita pizza na agência, que já teve muito táxi reembolsado pela firma porque naquele horário não tinha mais ônibus. O problema é que quanto mais você entrega em menos tempo, lá vem MAIS trabalho. E MAIS trabalho. Você consegue entregar seis textos bons por dia, umas artes fenomenais, resolve tudo, é pau pra toda obra. Você está especialmente produtivo naquele dia. E é isso que vão esperar de você pro resto da vida. Sabe aqueles dias (ou semanas, ou meses) difíceis, que a inspiração falta, que a concentração tá falha? “Fulano está performando abaixo do esperado”. “Por que não batemos nossa meta este mês?”. Pois é.
– Difícil – mas não impossível – é achar esse equilíbrio. É o não ficar nenhum minuto de bobeira, mas não se sobrecarregar. É difícil. Difícil MESMO. Mas acho que pode ser possível – só ainda não consegui, tendo a não saber dizer não – e, ao dizer não, não conseguir sustentar que não é não e eu preciso da minha saúde. Mas não tenho orgulho disso.
Apesar da premissa de tentarmos fazer como os alemães ser completamente inviável aqui no Brasil – muito por conta da desvalorização completa do emprego “médio”, a ideia é boa e gera reflexões: até onde estamos vivendo para trabalhar, até onde estamos trabalhando para viver?
O que você acha?